By Camila Teixeira Ferreira | Published | Nenhum comentário

Ao assistir a uma corrida de 100 metros rasos ou observar um maratonista cruzando a linha de chegada, é natural perguntar: o que separa esses atletas de elite do resto da população? A resposta envolve treinamento árduo, disciplina mental e… uma pitada significativa de genética.
A ciência já comprovou que não existe um único “gene do atleta”, mas sim uma complexa combinação de variantes genéticas que podem predispor uma pessoa a ter melhor desempenho em determinadas modalidades esportivas. Vamos explorar os principais protagonistas dessa fascinante história genética.
O gene mais estudado no esporte é o ACTN3, que codifica a proteína α-actinina-3, encontrada exclusivamente nas fibras musculares de contração rápida. Essas fibras são responsáveis por gerar força explosiva em atividades como sprints e levantamento de peso.
Cerca de 18% da população possui uma variante genética (chamada R577X) que resulta na deficiência completa da proteína α-actinina-3. Indivíduos com essa variante (genótipo XX) podem ter um desempenho ligeiramente inferior em esportes de explosão. Por outro lado, a presença da variante “funcional” (genótipo RR ou RX) é extremamente comum entre velocistas e halterofilistas de elite.
Enquanto o ACTN3 reina nos esportes de potência, outros genes ditam as regras na resistência. O gene VEGF (Fator de Crescimento Endotelial Vascular) está envolvido na formação de novos vasos sanguíneos (angiogênese), crucial para o fornecimento de oxigênio aos músculos durante exercícios prolongados.
Já o PPARδ (Receptor Ativado por Proliferador de Peroxissomo Delta) é um dos principais reguladores do metabolismo aeróbico. Camundongos geneticamente modificados para ter versões hiperativas desse gene se tornam “maratonistas” naturais, capazes de correr o dobro da distância de camundongos normais.
A performance em esportes de resistência depende criticamente da eficiência no transporte de oxigênio. O gene EPO (Eritropoietina) regula a produção de glóbulos vermelhos, enquanto o gene ACE (Enzima Conversora de Angiotensina) influencia a eficiência cardiovascular.
A variante I do gene ACE tem sido associada a uma melhor eficiência energética e maior resistência muscular, sendo mais frequente em alpinistas de alta altitude e maratonistas.
Esta genética privilegiada pode ter um custo. Muitas das variantes associadas ao desempenho atlético também estão ligadas a condições patológicas:
A genética do esporte nos ensina uma lição fundamental: nossos genes definem nosso potencial, mas não nosso destino. Estima-se que fatores genéticos explicam entre 30% e 70% da variação no desempenho esportivo, dependendo da modalidade.
Ter uma combinação favorável de variantes genéticas pode fornecer uma vantagem inicial, mas é o treinamento dedicado, a nutrição adequada e a preparação mental que transformam esse potencial em excelência atlética.
A próxima geração de atletas poderá se beneficiar do conhecimento de seu perfil genético para personalizar treinamentos e prevenir lesões. Mas uma coisa permanece certa: não há substituto para a dedicação e o trabalho árduo – esses são universais, independentemente do seu código genético.
Referências bibliográficas:
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ROTH, S. M. et al. The ACTN3 R577X nonsense allele is under-represented in elite-level strength and power athletes. European Journal of Human Genetics, v. 16, n. 3, p. 391-394, 2008.
Sou biomédica, tenho 24 anos e extremamente curiosa. Mestranda em pesquisa e desenvolvimento pela FMB/Unesp Botucatu-SP. Não me diga que as coisas são porque são, eu quero o porquê, como, onde e quando.
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